quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013
.
fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e vestido
com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro
do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir
que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua onde
os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas
não imaginam: são tão ridículas as pessoas, tão
desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: nós
olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a ferver
sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de
medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, pergunto
dentro de mim: será que vou morrer?, olhas-me e só tu sabes:
ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer:
amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: um
oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga.
José Luís Peixoto
segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013
a arte de saber perder..
"(...)tinha um parafuso a menos
tive um acidente
puseram-me vários
estou deveras preocupada
um a menos? vários a mais?
não é que faça diferença
saber ou não, quero dizer
agora por aqui ando
tilintando por tudo e por nada
como sino meio tresloucado
tocando segundos sem parar, mas
suspeito que mos puseram nos sítios errados
aquele que faltava o tal do sítio acertado
continuo a dar pela sua inexistência
pois é muito pior perder
aquilo que se não tem
do que aquilo que, julgado possuído,
perdê-lo não se podia
pois é, elizabeth, a arte de perder é o maior mistério (...)"
Bénédicte Houart *
sábado, 23 de fevereiro de 2013
ashes and dust*
“I would rather be ashes than dust! I would rather that my spark
should burn out in a brilliant blaze than it should be stifled by
dry-rot. I would rather be a superb meteor, every atom of me in
magnificent glow, than a sleepy and permanent planet. The function of
man is to live, not to exist. I shall not waste my days trying to
prolong them. I shall use my time.”
Jack London *
Jack London *
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013
julgamentos?
"Aprendam a ler nas entrelinhas,
nos punhos ígneos e fechados,
na corda, na pedra que nos naufraga
e no amor sonâmbulo
e nesta flutuação amarga
de cavalos-marinhos prisioneiros.
E julguem,
depois julguem-nos com dureza."
in "A Raiz Afectuosa" de A. Osório
nos punhos ígneos e fechados,
na corda, na pedra que nos naufraga
e no amor sonâmbulo
e nesta flutuação amarga
de cavalos-marinhos prisioneiros.
E julguem,
depois julguem-nos com dureza."
in "A Raiz Afectuosa" de A. Osório
domingo, 17 de fevereiro de 2013
:)
"Já alguém sentiu a loucura
vestir de repente o nosso corpo?
Já.
E tomar a forma dos objectos?
Sim.
E acender relâmpagos no pensamento?
Também.
E às vezes parecer ser o fim?
Exactamente.
Como o cavalo do soneto de Ângelo de Lima?
Tal e qual.
E depois mostrar-nos o que há-de vir
muito melhor do que está?
E dar-nos a cheirar uma cor
que nos faz seguir viagem
sem paragem
nem resignação?
E sentirmo-nos empurrados pelos rins
na aula de descer abismos
e fazer dos abismos descidas de recreio
e covas de encher novidade?
E de uns fazer gigantes
e de outros alienados?
E fazer frente ao impossível
atrevidamente
e ganhar-lhe,
e ganhar-lhe
a ponto do impossível ficar possível?
E quando tudo parece perfeito
poder-se ir ainda mais além?
E isto de desencantar vidas
aos que julgam que a vida é só uma?
E isto de haver sempre ainda mais uma maneira pra tudo?
Tu Só, loucura, és capaz de transformar
o mundo tantas vezes quantas sejam as necessárias para olhos individuais.
Só tu és capaz de fazer que tenham razão
tantas razões que hão-de viver juntas.
Tudo, excepto tu, é rotina peganhenta.
Só tu tens asas para dar
a quem tas vier buscar."
Almada Negreiros
vestir de repente o nosso corpo?
Já.
E tomar a forma dos objectos?
Sim.
E acender relâmpagos no pensamento?
Também.
E às vezes parecer ser o fim?
Exactamente.
Como o cavalo do soneto de Ângelo de Lima?
Tal e qual.
E depois mostrar-nos o que há-de vir
muito melhor do que está?
E dar-nos a cheirar uma cor
que nos faz seguir viagem
sem paragem
nem resignação?
E sentirmo-nos empurrados pelos rins
na aula de descer abismos
e fazer dos abismos descidas de recreio
e covas de encher novidade?
E de uns fazer gigantes
e de outros alienados?
E fazer frente ao impossível
atrevidamente
e ganhar-lhe,
e ganhar-lhe
a ponto do impossível ficar possível?
E quando tudo parece perfeito
poder-se ir ainda mais além?
E isto de desencantar vidas
aos que julgam que a vida é só uma?
E isto de haver sempre ainda mais uma maneira pra tudo?
Tu Só, loucura, és capaz de transformar
o mundo tantas vezes quantas sejam as necessárias para olhos individuais.
Só tu és capaz de fazer que tenham razão
tantas razões que hão-de viver juntas.
Tudo, excepto tu, é rotina peganhenta.
Só tu tens asas para dar
a quem tas vier buscar."
Almada Negreiros
almas.
"Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: "fui eu?"
Deus sabe, porque o escreveu."
- Fernando Pessoa.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: "fui eu?"
Deus sabe, porque o escreveu."
- Fernando Pessoa.
das trevas e da (tua) luz.
Sempre me perguntei porque desde o dia em que me mandaste embora da tua vida, deixei de ter medo do escuro.. As trevas sempre me causaram medo.. as trevas no mar, na floresta densa, na solidão das multidões..
Agora sei que foi porque deixei de ter medo de morrer.
Agora sei que foi porque deixei de ter medo de morrer.
domingo, 10 de fevereiro de 2013
Pedro *
Se eu tivesse as sedas bordadas do céu.
Com bainhas de luz de ouro e de prata.
As sedas azuis e sombrias e escuras.
Da noite e da luz e da meia-luz.
Deitava-as todas aos teus pés.
Mas eu sou pobre e só tenho os meus sonhos.
Deitei-os todos aos teus pés
Pisa com cuidado,
É nos meus sonhos que estás a pisar.
W. B. Yeats
verdade, verdadinha!
Dantes havia homens que se retiravam para o deserto. Para melhor se
conhecerem, para comunicarem com Deus, mas nenhum – penso – para conhecer o
deserto. Alimentavam-se de mel e gafanhotos, quando não jejuavam.
Agora foi o deserto que se instalou entre nós. E os seus desígnios não são menos obscuros.
Jorge Sousa Braga
Agora foi o deserto que se instalou entre nós. E os seus desígnios não são menos obscuros.
Jorge Sousa Braga
*
Contemplar o céu, as nuvens, a lua e as estrelas tranquiliza-me e devolve-me
a esperança, isto não é, certamente, imaginação. A Natureza torna-me humilde e
prepara-me para suportar com valentia todos os
golpes.
...
Enquanto isto existir e eu possa ser sensível a isto - a este sol radiante, a este céu sem nuvens - não posso estar triste.
Anne Frank In "Diário de Anne Frank"
...
Enquanto isto existir e eu possa ser sensível a isto - a este sol radiante, a este céu sem nuvens - não posso estar triste.
Anne Frank In "Diário de Anne Frank"
domingo, 3 de fevereiro de 2013
incêndios
A verdade, por muito que nos
custe,
é que nunca houve ninguém
por detrás da janela
do ponto mais alto da montanha.
Se é que podemos falar
de montanha, da janela onde
por vezes chegavam,
os sinos indolentes do amor,
na sua claríssima estranheza.
E as coisas que nos matam,
incendeiam-se,
cansadas de esperar por outro dia.
*
Manuel de Freitas
é que nunca houve ninguém
por detrás da janela
do ponto mais alto da montanha.
Se é que podemos falar
de montanha, da janela onde
por vezes chegavam,
os sinos indolentes do amor,
na sua claríssima estranheza.
E as coisas que nos matam,
incendeiam-se,
cansadas de esperar por outro dia.
*
Manuel de Freitas
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