domingo, 6 de maio de 2012

dor.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite. 
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada, 
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe". 
O vento da noite gira no céu e canta. 


Posso escrever os versos mais tristes esta noite. 
Eu amei-a e por vezes ela também me amou. 
Em noites como esta tive-a em meus braços. 
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito. 


Ela amou-me, por vezes eu também a amava. 
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos. 
Posso escrever os versos mais tristes esta noite. 
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi. 


Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela. 
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho. 
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la. 
A noite está estrelada e ela não está comigo. 


Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe. 
A minha alma não se contenta com havê-la perdido. 
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a. 
O meu coração procura-a, ela não está comigo. 


A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores. 
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos. 
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei. 
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido. 


De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos. 
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos. 
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda. 
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento. 


Porque em noites como esta tive-a em meus braços, 
a minha alma não se contenta por havê-la perdido. 
Embora seja a última dor que ela me causa, 
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.


Pablo Neruda*

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