domingo, 29 de abril de 2012

Adeus.



Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade

sábado, 28 de abril de 2012

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“I’ll go out there and make my mistakes. I’ll fall down, get hurt, cry, laugh, love, and get back up. I’ll stand on the highest mountaintop and go into the deepest caverns. I’ll roam across the world, visit the moon and swim in outer space. I’ll let my imagination run wild and let my spirit soar. Why? Because when my life flashes before my eyes in those final moments, I want to have something worthwhile to watch, with plenty of love and laughter, good times and bad. I don’t want to regret a thing and I plan not to. Remember, it’s not usually the things you do that you regret, it’s the things you don’t do and leave unsaid. Laugh out loud. Cry in the rain. Love with all your heart and soul. Get hurt. Tell the truth. Go crazy. But never forget that you only get one shot. One shot at this day, one shot at this minute. One shot at this age. One shot at life. So make sure your life is one you will enjoy watching in your final moments.”
— Anna Floyd

terça-feira, 17 de abril de 2012

Fera ferida ~Maria Bethânia

Acabei com tudo
Escapei com vida
Tive as roupas e os sonhos
Rasgados na minha saída
Mas saí ferido
Sufocando meu gemido
Fui o alvo perfeito
Muitas vezes no peito atingido
Animal arisco
Domesticado esquece o risco
Me deixei enganar
E até me levar por você
Eu sei
Quanta tristeza eu tive
Mas mesmo assim se vive
Morrendo aos poucos por amor
Eu sei
O coração perdoa
Mas não esquece à toa
E eu não me esqueci
Eu andei demais
Não olhei pra trás
Era solto em meus passos
Bicho livre, sem rumo, sem laços
Me senti sozinho
Tropeçando em meu caminho
À procura de abrigo
Uma ajuda, um lugar, um amigo
Animal ferido
Por instinto decidido
Os meus rastros desfiz
Tentativa infeliz de esquecer
Eu sei
Que flores existiram
Mas que não resistiram
A vendavais constantes
Eu sei
Que as cicatrizes falam
Mas as palavras calam
O que eu não me esqueci
Não vou mudar
Esse caso não tem solução
Sou fera ferida
No corpo, na alma e no coração
Não vou mudar
Esse caso não tem solução
Sou fera ferida
No corpo, na alma e no coração*

e a vida segue assim!



Se falarem sobre mim quando eu morrer
peço-vos só que sejam breves:
andava pela rua com o cigarro apagado entre os lábios
pedia lumes àqueles que passavam
falava demasiado porque tinha medo do silêncio
sentia ternura por tudo
gostava de sofrer mas não muito.

domingo, 15 de abril de 2012

*


"E no entanto como valera mais se fôssemos da gente média que nos rodeia. Teríamos, pelo menos de espírito, a suavidade e a paz. Assim temos só a luz. Mas a luz cega os olhos… Somos todos álcool, todos álcool! — álcool que nos esvai em lume que nos arde!" 

Mário Sá Carneiro* 

domingo.

"
"Bebido o luar, ébrios de horizontes, 
 Julgamos que viver era abraçar 
 O rumor dos pinhais, 
o azul dos montes 
 E todos os jardins verdes do mar. 

 Mas solitários somos e passamos, 
 Não são nossos os frutos nem as flores, 
 O céu e o mar apagam-se exteriores
 E tornam-se os fantasmas que sonhamos.

 Porquê jardins que nós não colheremos,
 límpidos nas auroras a nascer, 
 Porquê o céu e o mar se não seremos nunca os deuses capazes de os viver." 

 * Sophia de Mello Breyner Andresen